Church Bells

church-bellsÓculos escuros e colar e brinco de pérolas. Scarpins de verniz, vestido evasê de estampa floral. Verde-água claro e branco. Blazer acinturado em tafetá branco. Pele de pêssego, cor de porcelana. Lábios em rosa queimado, francesinha nas unhas. Cabelo castanho claro, um perfeito coque francês. Um enorme brilhante junto de uma grossa aliança de ouro no anelar esquerdo. Elegância, classe, feminilidade.

O marido à esquerda, braços dados. Sapatos italianos, loção pós-barba cara. Alto, porte invejável. Olhos astutos, cabelo bem aparado. Castanho escuro. Camisa engomada, calça bem passada. Elegância, classe, poder. Um olhar para o lado oposto.

Outra mulher. Óculos escuros e colar e brinco de pérolas. Peep toes beges em couro, saia midi em linho bege. Blusa rosa forte em renda. Lábios em rosa forte, unhas vermelhas. Pele de pêssego, cor de porcelana. Lábios em rosa queimado, francesinha nas unhas. Cabelo castanho claro, solto, perfeitamente escovado. Um enorme brilhante junto de uma grossa aliança de ouro no anelar esquerdo. Elegância, classe, feminilidade.

Outro marido, também à esquerda, também de braços dados. Também de sapatos italianos, loção pós-barba cara. Também alto, porte invejável. Olhos distantes, cabelo bem aparado. Castanho escuro. Camisa engomada, calça bem passada. Elegância, classe, poder. A mão direita enrolada em uma atadura. A mão esquerda estendida à menininha de cabelos escuros e vestido rodado ao seu lado.

Igreja lotada. Em lados opostos seguiram; distantes, mas sem nunca perder totalmente o contato visual. Cumprimentos no caminho, várias crianças. Não estavam ali os frequentadores habituais da paróquia, mas apenas amigos próximos, familiares. Os sinos badalavam. Era hora de começar a cerimônia. Um batizado.

Mas os óculos escuros continuavam a ocultar os olhos daquelas duas mulheres. Os olhos e também as dores. Os olhos e também as aflições. Os olhos e também as marcas. Um ontem turbulento. Nunca fora tão verdadeiro o ditado “O que os olhos não veem, o coração não sente”. Uma só visão e desmoronou o mundo. A verdade era dolorosa; a realidade, cruel. O inamiginável estava não só materializado como também consumado. Consumado diante seus olhos, consumado em sua cama. O marido. A melhor amiga. Que traição mais pusilânime poderia acontecer?

Gritos. Objetos quebrados. Fúria, excusas. Tapas. Uma amizade destruída, um casamento arruinado. Como não se dera conta? Como eles puderam se prestar àquilo? Não teve piedade. Acertou um pequeno bibêlo em uma das pálpebras inferiores da agora ex-amiga. No marido, um copo de vidro. Ele tentou apanhá-lo no ar, mas foi inútil.  O copo estourou na mão dele.

Mas o bebê… Aquele bebê era um inocente. Aquele bebê precisava de um pai, fosse ele quem fosse. Aquele bebê não merecia um escândalo, não naquele dia. Tragou o próprio orgulho e atrás dos óculos escuros omitiu os olhos inchados de uma noite em claro, em prantos, incrédula.

Ambos os casais estavam diante o altar. A mãe do bebê apanhou-o no colo, ajeitou-lhe as vestes. Por trás dos óculos escuros, corretivo, base e pó, um hematoma. Mesmo que não pudessem vislumbrar os olhos uma da outra, sabiam que se entreolhavam. O único que tudo ignorava cumpimentou ao melhor amigo e tomou nos braços seu suposto filho. Em pouco tempo, já não seriam apenas amigos, amantes; seriam compadres e comadres. Nenhuma das testemunhas se prestaria a revelar o ocorrido. Cumprimentaram-se como sempre. Afetuosos, calorosos, sorridentes. As feridas externas cicatrizariam, mas as dor permaneceria por toda a vida. Por quanto tempo suportariam manter as aparências e encenar a farsa?

Thaís Gualberto

Inspirado pela música homônima interpretada por Carrie Underwood 

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