Resenha: Belgravia

1840, Inglaterra victoriana. Eis o ambiente em que se desenrola um intricado enredo que envolve ambição, inveja, raiva, ganância, bondade, altruísmo, amor em que eventos ocorridos 25 anos antes irão mudar para sempre as vidas dos envolvidos. Esse é o pano de fundo de Belgravia, o mais recente romance de época lançado por Julian Fellowes, criador da magnífica série Downton Abbey.

Belgravia, de Julian Fellowes
Belgravia, de Julian Fellowes

Editora: Intrínseca
Páginas: 430
Onde encontrar: Saraiva

A história trata sobretudo da ascensão da família Trenchard. Comerciante e filho de comerciante, James Trenchard sempre nutriu a ambição de fazer parte dos mais elevados círculos da sociedade britânica, sempre trabalhando incansavelmente para fazer contatos e galgar posições. Como principal aliada em seu intento, James contava com sua jovem e bela filha mais velha, Sophia, quem perdidamente se apaixonou pelo aristocrata Edmund Brockenhurst, o visconde Bellasis, com quem ela secretamente se casou.

“Para ser justo consigo mesmo, havia uma parte de James, mesmo que pequena, que sabia que sua ambição era absurda. Que a aprovação de má vontade de tolos e janotas não acrescentaria nenhum valor real a sua vida, mas ainda assim… Ele não podia controlar sua paixão secreta pela aceitação. Essa era a engrenagem que o movia, e ele precisava viajar o mais rápido e ir o mais longe possível”.

“Por que todos os cavalheiros fingiam ter interesse em cavalos?, perguntou-se, pegando sua taça.

Mas foi em quinze de junho de 1815, em Bruxelas, no baile oferecido pela duquesa de Richmond, tia de Bellasis, que tudo mudou para os envolvidos. Começava a Batalha de Waterloo, para a qual os belos rapazes presentes no baile seguiram ainda com os uniformes de gala do exército e, em muitos casos, jamais voltariam. Apenas vinte e cinco anos mais tarde, quando os Trenchard já eram parte de uma classe industrial emergente, mudaram-se para o bairro Belgravia e novamente se encontraram com a duquesa de Richmond, as verdadeiras consequências daquele evento tornaram-se conhecidas.

“O fato é que ela tinha contado um segredo de magnitude inimaginável, um segredo que podia lhes causar danos ilimitados, para uma completa desconhecida, uma mulher sobre quem sabia muito pouco ou nada. Ao fazer isso, tinha dado a Lady Brockenhurst a munição para derrubar toda a própria família.A pergunta era: essa munição seria usada?

E a maneira como essas consequências vêm à tona e se desdobram em novos e complexos eventos, bem como os grandes personagens, psicologicamente complexos e bem estruturados é o que mais encanta nesta obra de Fellowes. E isso não me surpeendeu, considerando toda a beleza e complexidade de Downton Abbey. Temos James Trenchard, o emergente que subiu graças ao trabalho duro por décadas e que continuava enaltecendo. Anne Trenchard, que nunca apreciou a convivência com a aristocracia, mas nem por isso deixou de apoiar seu marido ou de ousar relatar a verdade à Lady Brockenhurst. Oliver Trenchard, o angustiado e revoltoso filho mais novo de James e Anne, ciumento das atenções que o pai dedicava ao promissor Charles Pope. Susan Trenchard, a amargurada, entediada e estéril esposa de Oliver, farta dos acessos de raiva do marido e do ínfimo interesse sexual dele por ela. Lady Caroline Brockenhurst, a aristocrata muitas vezes arrogante, sempre engenhosa e veemente saudosa de seu único filho e encantada por ajudar Chales Pope a progredir nos negócios. Charles Pope, o jovem trabalhador que mal pode imaginar que está preste a ter a vida completamente mudada por pessoas que ele nem fazia ideia existirem. Maria Grey, a astuta jovem que, nada encantada por seu mulherengo noivo, recusa-se a aceitar um casamento que seria conveniente a sua viúva mãe mas terrível para ela. E claro, Stephen Bellasis, o irmão mais novo e fracassado de Peregrine Belasis, e seu filho, John Bellasis, o mulherengo, trapaceiro e invejoso, que não vê a hora de que seu tio Peregrine morra para que ele herde a fortuna dele.

Ainda que muitas dessas brevíssimas descrições façam com que alguns personagens pareçam meros clichês, nenhum deles o é, pois Fellowes é magistral ao dar vida a seus personagens. Com dilemas morais, atitudes enérgicas, personalidades complexas, com vícios e virtudes  e emoções conflitantes, Belgravia nos brinda com o melhor que uma boa narrativa pode ter: personagens grandiosos, que provocam fortes emoções nos leitores, capazes de nos conquistar, provocar admiração ou repulsa. Mais que isso, Fellowes é brilhante na maneira como estrutura essa narrativa constituída de 11 capítulos e faz rumá-la para seu clímax, que é realmente tenso, emocionante e, de certa forma, inesperado. Não só isso, o autor ainda se destaca pela maneira como também é excelente com descrições de lugares, paisagens e situações. Belgravia é uma mostra acurada do que é a mente humana e de como interagimos uns com outros e que, apesar do distanciamento histórico do momento atual, mostra como muitos dos dilemas individuais atuais já se manifestavam na longínqua era vitoriana.

“O passado, como já foi dito muitas vezes, é um país estrangeiro no qual as coisas eram feitas de forma diferente. […] A ambição, a inveja, a raiva, a avareza, a bondade, o altruísmo e, sobretudo, o amor sempre foram e sempre serão poderosos a ponto de motivar as nossas escolhas”

Uma curiosidade a respeito de Fellowes é que ele é membro da Câmara dos Lordes, a câmara alta do parlamento britânico, e filiado ao Partido Conservador, do qual também foram parte os lendários Winston Churchill e Margaret Thatcher (ídolos <3), bem como a atual primeira-ministra, Theresa May. Recomendo fortemente que os que divergem politicamente dos tories não coloquem a política à frente dessa excelente trama como barreira à leitura. Um dos muitos méritos de Fellowes é escrever de modo que qualquer um consiga encantar-se por suas criações. Sobre o livro em si, este foi originalmente lançado como e-book com 11 capítulos independentes que foram lançados semanalmente.

Gostaria de comentar muitas matizes mais dessa bela obra, mas receio que estaria cometendo spoilers, o que de nenhuma maneira desejo. Se quiserem saber mais ou comentar algum detalhe mais específico, por favor digam nos comentários. Belgravia foi um dos livros que li em minhas férias em setembro do ano passado e foi o melhor e mais incrível romance que li em 2016. Sem dúvidas é um 10/10 recomedadíssimo e indispensável para os fãs de Downton Abbey e de romances históricos. Espero, sinceramente, ainda ver este enredo desenvolvido em filme ou minissérie.

Thaís Gualberto

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