Queen of Rain

*TRILHA SONORA AO FIM DO TEXTO.

Naquela casa grande havia muitas portas. E uma delas era a porta da solidão. A porta que ela trancava sempre que queria fugir de todos, a porta que ela sempre trancava quando queria se lembrar de quem um dia ela fora e quem um dia ela amara. A discrição, as saias longas, as mangas compridas, a cara limpa, a trança, as cores escuras. Ela não fora sempre assim, mas como se assim sempre houvesse sido agia. E atrás daquela porta escondia dos outros seu verdadeiro eu, os sentimentos arrebatadores que a consumiam, a dor profunda e incurável da perda do amor que fizera com que a si mesma ela perdera.

Ali extravasava as fartas lágrimas que de todos escondia, ali desnudava-se da fortaleza que diante todos assumia. Atrás daquela porta ela outra vez era a jovem de 24 anos golpeada pela precoce partida de quem amava e pelos fragmentos dos próprios sonhos e expectativas. Ali desnudava-se diante o espelho e encarava o próprio reflexo e a reclusão que a consumia.

Até que se precipitava a chuva, até que se materializava a tormenta. Cada gota que se chocava contra a janela era como um suspiro ou como um grito. Bastava sentir o cheiro da terra molhada que lhe sobrevinha o ímpeto de fugir. Fugir de todos, fugir de si mesma. Lembrava-se do dia em que externara sua loucura, em que consumara o ímpeto e sem rumo fugira pelos campos, estradas e bosques de Santa Maria. Lembrava-se daquele dia em que sentira a chuva cair sobre seu corpo e imiscuir-se em sua pele, em sua essência. Lembrava-se de como vagara em agonia aboletada ao cavalo do pai, lembrava-se de como caíra sobre as próprias pernas desnudas ajoelhar-se em pranto à relva enlameada. Lembrava-se da adrenalina, lembrava-se do medo. E, estranhamente, sempre que se precipitava a chuva, ansiava por aquilo outra vez. E, estranhamente, sempre que se precipitava a chuva, sentia-se mais livre, mas também mais apreensiva. Temia por si mesma, temia por seus ímpetos, temia por trazer à tona quem um dia fora, temia fazer por fim desvanecer a dor e tornar enfim a se permitir amar outra vez. Temia amar outra vez e amar em maior intensidade que na única vez que amara.

Naquela grande e velha casa havia muitos quartos, mas em apenas um deles se encontrava com sua alma, com seus sentimentos. Naquela grande e velha casa havia muitas camas, mas em apenas uma delas ela se permitia depositar sonhos e esperanças; apenas em uma delas, ainda que cercada por receios, subconcientemente iniciava-se o fim daquela longa reclusão que parecia não ter fim. Em algum momento já não tão distante, a chuva a impulsionaria a se libertar. E, novamente, amar.

Thaís Gualberto

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24 thoughts on “Queen of Rain

    • Thaís Gualberto says:

      Obrigada, Bia! Fico super feliz quando você e outras que também escrevem elogiam meus textos! *-* Sinto que você vai gostar do meu livro que conta com essa personagem, que, aliás, é a mesma da crônica da postagem coletiva de finados do ano passado (“Could It Be Any Harder”) e também da crônica “Wild Heart”

      • Beatriz Aguiar says:

        Ah que querida! E eu amei aquela crônica, você bem sabe! Só fico imaginando o QUANTO seu livro deve ser uma delícia de ler. Pois quando sair, vou querer o meu exemplar sem dúvida alguma :))

        Um beijo!

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