Con calma si vedrà

*Trilha sonora ao fim do texto. Recomendável lê-lo escutando-a.

Fugia do calor, fugia do barulho. Fugia do tumulto, do colorido desesperado e ofuscante, do álcool que embriagava a alegria das multidões. Fugia da frustração, mas talvez estivesse fugindo também de si mesma. Nunca apreciara o Carnaval, mas naquele ano, em especial, precisava fugir de qualquer vestígio que a lembrasse da festa da carne.

A ferida deixada pela traição seguia aberta e, de alguma maneira, ela precisava encontrar a cura. E por isso fugiu sem rumo. Não sabia ainda, contudo, se fugira para encontrar a paz de que tanto precisava ou se fugira tentando encontrar a si mesma. Não importava o quão longe teria de ir, não importava o quão estafada se sentiria. Uma sensação plena de alívio que havia muito não experimentava arrebatou-a tão logo os pneus de seu carro tocaram a autoestrada. Permitiu-se então pisar mais forte no acelerador, engatar a quinta marcha e sentir a velocidade vibrar por seu corpo.

E com a velocidade sentiu a paz que aflitamente buscava outra vez fluir por suas veia e artérias. Já estava longe. Longe de tudo, de todos, das lembranças. Longe de todas as vezes que falhara consigo própria a fim de agradá-lo; longe de todas as vezes qie perdoara as faltas dele acreditando que seria aquela a última. Não mais seria assim.

Não deixara de acreditar no amor, como deduziram algumas de suas amigas quando anunciou que partiria. Apenas já não seria trouxa, se daria o valor que realmente tinha e apenas voltaria a se relacionar quando conhecesse alguém capaz de reconhecer esse valor e em quem também enxergasse valores. Procuraria virtudes e não apenas a satisfação momentânea, a chama inicial que fazia com que rapidamente se apaixonasse. Não. Ela buscava vínculos duradouros, ela queria ficar raízes, ela queria encontrar alguém com quem fosse capaz de pensar no para sempre.

Cada quilômetro que se afastava de sua antiga realidade, sentia-se mais confiante. Estava convencida de que tomara a melhor decisão.

Depois de muito asfalto e pastagens ora verdes, ora queimadas pelo sol; ora densas, ora espaçadas; um vislumbre de civilização. Mas o tipo de civilização com que estava habituada, mas sim o que parecia um espaço perdido no tempo. Uma cidade pequena, com construções antigas, ruas de paralelepípedo que logo se fizeram sentir sob os pneus.

E eis que fugindo do Carnaval outra vez deparou-se com ele. Sem tantas luzes, com muito menos brilho, nenhuma multidão, mas ainda assim vivo e colorido, com pessoas transbordando alegria em meio ao festejo; quase um Mardi Gras. Não estava no clima, nunca apreciara o carnaval, é verdade, mas estranhamente sentia-se contagiada por aquela gente simples e seu modo antigo de festejar, quase como se houvesse sido transportada ao começo do século XX.

Deixou o carro, travou-o, acionou o alarme. Iria misturar-se com aquelas pessoas. Ergueu um pouco o longo vestido branco com estampa floral em tons de verde e vermelho, soltou o cabelo até então preso com uma caneta. Disfrutaria daquele momento junto daquelas pessoas naquela atmosfera antiga e distante; após o pôr-do-sol retomaria seu caminho em busca de si mesma. E então, naquela vintage celebração do carnaval, soube que só se encontraria outra vez consigo própria quando ao seu lar retornasse e o que temesse enfrentasse. Precisara de coragem para fugir; necessitaria de muito mais coragem para inevitavelmente voltar.

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