*Trilha sonora ao fim do texto
Enfim segunda-feira. À janela, Graciela espreitava. Deveria estar na escola, dando aula para as crianças do segundo ano da primária, mas telefonara dizendo-se indisposta. Era mentira. Apesar de tudo o que descobrira, estava bem, firme, forte, e dispostíssima. Embora sua casa ficasse consideravelmente distante da estrada, conseguia avistá-la e também a todos que por ela passavam e sabia bem que não demoraria até que alguém de La Hermosa cruzasse as porteiras e adentrasse os domínios de Montes Claros com intenções bem definidas. Podia jurar que seria Luciano a tomar frente da situação. Octavio partira tão logo teve a degradante visão; Beatriz não demorou a segui-lo, embora Octavio certamente não quisesse voltar a vê-la tão cedo. Emiliano era demasiado passivo para tomar qualquer atitude drástica; Alma certamente estava desfrutando da situação, celebrando intimamente o iminente fim do casamento de seu filho com aquela mulher a quem ela sempre detestara. Ilana decerto não ficaria calada, contudo, aos cinco meses de gestação, provavelmente não tomaria a frente do conflito, por mais que o desejasse. Mandaria seu marido e emissário fazer o que era devido e Graciela ansiava por isso.
Os minutos sucediam-se e a apreensão de Graciela apenas crescia. Por que ele está demorando? Será que não vão fazer nada? Duvido… Ilana não aceitaria isso… Ilana não perderia a oportunidade de humilhar a alguém que desonrou sua família… Ilana é justa demais para permitir que Joaquín continue a trabalhar para eles como se nada houvesse acontecido… Embora cansada de se manter na posição de observação, não desistiu. Por volta das oito e meia da manhã, o Land Rover verde escuro metálico por fim percorreu a estrada, confirmando a teoria de Graciela. Era hora de agir.
Correu até o quarto que dividia com o marido e, com a ira que por dois dias reprimira em sepulcral silêncio, removeu do armário tudo aquilo que pertencia a Joaquín. Camisas, calças, casacos, bermudas, cuecas, meias e calçados; tudo foi enfiado em um grande saco de lixo que Graciela logo arrastou até a sala. Um profundo suspiro. Meus filhos que me perdoem, mas não posso assistir covardemente sem nada dizer ou fazer. Joaquín terá o que merece. Tornou a arrastar o grande saco preto, dessa vez abrindo a porta e posicionando-o alguns metros à frente da casa. Retornou à casa e logo estava outra vez no quintal, com uma garrafa de álcool e uma caixa de fósforos em mãos. Esvaziou o saco em uma área de terra batida e despejou todo o conteúdo sobre os pertences do marido. Com a calma de quem seguia um elaborado plano, riscou um punhado de fósforos na tira da caixa e atirou-os acesos sobre a pilha de roupas e objetos. E por minutos ficou a regozijadamente assistir as chamas consumirem cada centímetro de tudo o que Joaquín tinha além das roupas que levava em seu corpo ao sair de casa para trabalhar horas antes.
Findas as labaredas, restaram apenas cinzas. Uma pá, uma vassoura, um funil e Graciela despejou o pó não levado pelo vento dentro de uma garrafa de vidro transparente. Aquilo seria tudo que Joaquín teria. Não dediquei minha juventude a você e a seus filhos para acabar sendo traída da maneira mais vil possível, Joaquín… Fechou a garrafa e colocou-a no centro da mesa em que a família jantava. Será que ele irá entender do que se trata ao chegar em casa? Não… Ele não chegará tão cedo em casa… Não duvido nada que procure um bar ou uma vadia para afogar as mágoas das quais ele é o único culpado… Que vá. Eu que não vou mais ser a idiota dessa história. Basta! Passou batom, penteou novamente o cabelo. Vestiu um casaco e apanhou a bolsa. Fechou todas as janelas, saiu de casa, trancou a porta. No frio de janeiro, tomou a estrada a pé com um objetivo bem definido em mente.
Thaís Gualberto
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Economista & Escritora. Apaixonada por ficção, música, política e coisas fofas. Aqui vocês terão resenhas e, principalmente, textos ficcionais escritos por esta que vos “fala”.