539 dias: minha história de conversão

Conversão
Tudo começou com um casamento. Era dia de São Pedro e São Paulo Apóstolos, 29 de junho de 2019. Casamento da minha amiga com quem mais havia compartilhado meus anseios sobre amor, casamento e família. Apesar de ela ser católica e eu “protestante”, tínhamos uma visão de mundo muito similar em relação ao matrimônio. Sagrado, indissolúvel. E ali estava eu, preste a vê-la adentrar a Basílica. Quem diria que ali eu teria uma epifania?
 
Cumprimentara seu noivo, também meu amigo, antes de iniciada a cerimônia. Com o intuito de ficar bem posicionada, cheguei cedo demais e assisti a missa das 17h. Não entendi nada, nem mesmo prestei atenção como deveria. Sentia-me estranha. Bastou contudo o primeiro acorde da Marcha Nupcial para que algo em mim despertasse. À porta da igreja, minha amiga começava a ser conduzida por seu pai e, embora eu ainda não a enxergasse com nitidez, eu chorava. Chorava emocionada desde o âmago do meu ser. Encantada, feliz, extasiada. Realizada por ver minha tão querida amiga realizando com tanta graça e plenitude um dos seus maiores sonhos. Todas as nossas conversas adolescentes e inocentes passando como um filme no meu pensamento.
 
Mas não se tratava apenas disso. Eu sentia a presença de Deus naquela cerimônia. A felicidade que eu sentia era tão plena, tão completa… Era sobrenatural. E eu entendia o motivo. Meus amigos prestes a se unirem pelo sacramento matrimonial tinham na vivência da fé católica a base de suas vidas, eles verdadeiramente buscavam a Deus e juntos buscariam o céu por meio do matrimônio. Como eu me alegrava por eles, como eu pensava no quanto eu queria que um dia meus amigos assim se alegrassem por mim. Mas era mais que isso. De algum modo, Deus, por meio dos meus amigos, falava comigo ali. E Ele fazia com que eu, uma “protestante” com zero vivência de igreja, questionasse-me enfim se era aquilo (uma vivência verdadeira da fé) o que Deus esperava de mim.
 
Parti da cerimônia regozijada pelos meus amigos, entretanto profundamente inquieta por mim. E escrevi. Escrevi páginas e mais páginas narrando o casamento e a noite de núpcias de uma personagem muito querida por mim. E foi naquelas páginas que me dei conta do quão profundamente católica aquela história era apesar de eu ser “protestante”, tendo inclusive me dado conta de que escrevia um personagem vivendo um profundo processo de conversão (de nominalmente católico para verdadeiramente católico). Então comecei a pesquisar. A princípio, apenas sobre o sacramento do matrimônio, mas logo também sobre batismo, visto que minha mãe vinha falando cada vez mais sobre a necessidade de eu frequentar uma igreja e ser batizada em alguma denominação.
 
Flashback. Meu pai é nominalmente católico; minha mãe, nominalmente protestante. Quando nasci, também ela era católica de IBGE. Ela não quis que eu fosse batizada, não queria que eu me sentisse obrigada a participar de uma religião por um dia ter sido batizada nela. Quando comecei a refletir seriamente sobre isso há um ano e meio, fiquei irritada; teria sido muito melhor “livrar-me” disso na infância, eu pensava. Ah, eu estava errada! Errada porque Deus não erra jamais em nossos desígnios para nós.
 
No final de agosto daquele ano, finalmente, após uns quatro anos de rotina intensa e sem conseguirmos nos vermos sozinhas, eu tive a oportunidade de almoçar com a minha amiga que se casara em junho. Nada havia mudado. Era como se tivéssemos conversado pela última vez havia uma semana. A proximidade, a afeição, a facilidade em conversar, os valores em comum. Bastou uma tarde para nos reconectarmos e retomarmos contato frequente. Poucas semanas depois, mais precisamente no começo de outubro/2019, procurei-a para falar sobre o “esperar em Deus”, algo com que eu tinha enorme dificuldade à época. Ali foi quando realmente começamos a falar sobre religião.
 
Ela me falou sobre santos casados e recomendou o livro “Todos os Caminhos Levam a Roma”, do Scott Hahn, o qual debati praticamente página por página com ela. Diante da nossa amizade “ecumênica”, entristecia-me como os Hahn perderam muitos “amigos” ao se converterem e não via isso acontecendo conosco… Esse livro inquietou-me de um modo mais profundo, visto que, em tudo aquilo que não consegui concordar com a mudança de entendimento de Hahn, eu fui pesquisar. Eu ainda não sabia, mas era um caminho sem volta.
 
No começo de novembro, após ler diversos artigos sobre o canon bíblico e debates calorosos sobre sola scriptura, o choque: eu não poderia seguir protestante. Eu tinha de ser católica. Problema? Minha mãe. Atormentava-me a ideia de revelar a ela que eu discordaria dela naquilo que ela julgava mais fundamental em sua vida. À primeira menção da minha conclusão, ainda naquele novembro, ela debochou. Murmurou alguns típicos entendimentos errados a respeito de católicos. Acusou-me de estar sob a influência de amigos. Estava visivelmente consternada apesar de eu não ter tomado nenhuma decisão. Foi nesse ponto que tornei meus estudos realmente sérios. E conversava muito com meus amigos casados em junho, que me esclareciam dúvidas, sugeriam leituras e ouviam minhas inquietações.
 
No final de novembro, eu estava nos EUA para o casamento de outro amigo e decidi ir a uma missa. Eu não sabia, mas era o dia de Jesus Cristo Rei do Universo e pude participar de uma celebração belíssima, com a crisma de algumas pessoas e que me emocionou profundamente, em especial durante a Eucaristia, embora, naturalmente, eu não estivesse habilitada para participar plenamente. Falei sobre isso nesse post. No que eu retornei ao Brasil, minha amiga, grávida de seu primogênito, convidou-me para a novena de advento que faria em sua casa junto de vários amigos.
 
Ah, quanto aprendi naqueles nove dias dos quais participei em oito. Tantas partilhas significativas, a descoberta de que existe um calendário litúrgico, o estar com amigos queridos e fazer novos amigos… Foi uma experiência maravilhosa! E foi ali também que meu amigo falou mais seriamente comigo sobre batismo pela primeira vez, sobre a urgência desse sacramento para que tenhamos acesso à graça santificante e outros pormenores. Mas eu precisava estudar mais, não com a pretensão de saber tudo, mas sim para que eu tomasse minha decisão dando a devida importância ao tema.
 
Era janeiro quando comecei a rezar o terço sozinha. Bastante desajeitada, bastante inconstante, porém com o ímpeto de aprender. Avancei rapidamente sobre os cursos de história da igreja e diversos outros no site do padre Paulo Ricardo, testemunhos de protestantes convertidos a católicos e sempre compartilhando muito sobre o que ia aprendendo com meus amigos. A cada dia eu me convencia mais de que eu precisava avançar na fé, no entanto, travava por não conseguir olhar nos olhos da minha mãe e dizer que eu seria católica. Lembro-me de quando minha amiga encaminhou-me uma homilia do padre Paulo Ricardo em que ele comentava a conversão de G. K. Chesterton e eu me identifiquei, pois ele, como eu, teve dificuldades de revelá-lo à própria mãe e de avançar sem que a esposa, Frances, também estivesse convencida a se converter. Ele também mencionava na homilia os três estágios da conversão segundo Chesterton e era exatamente como eu me sentia. Infelizmente, já não me recordo dos termos utilizados para aqui comentá-los.
 
Em março o mundo surtou (e, infelizmente, parece sem nenhuma disposição para sair do surto) e de repente tudo o que eu tinha planejado desfez-se. Foi uma época em que fui completamente dominada pela ira. Tudo para mim era completamente absurdo, desproporcional, histérico e minha tímida e iniciante vida espiritual foi pelos ares. Graças a Deus tive muito apoio dos meus amigos todos, em especial do casal cujo casamento fez com que eu iniciasse essa jornada. Apesar do caos no mundo, tivemos uma vivência muito intensa da Semana Santa, no que diz respeito às leituras e reflexões de cada dia e pude aprender demais com eles. E, para além da Semana Santa, seguiram as dúvidas, discussões e catequeses.
 
Veio maio, participei de uma novena online de Pentecostes realizada por um padre hoje muito querido por mim e que tem sido importantíssimo nos grandes momentos dessa caminhada (sim, o que me batizou no último sábado). Segui estudando, discutindo e perguntando. Era 31 de maio, Pentecostes, quando firmei um compromisso com minha amiga “Até o dia de Jesus Cristo Rei do Universo (22/11), último domingo do ano litúrgico, estarei decidida sobre o batismo”. Três dias depois nascia o meu lindo sobrinho de coração, quem eu conheci no final de julho quando fomos juntos a uma missa campal celebrada pelo mesmo padre que casara meus amigos 13 meses antes.
 
No meio de tudo isso, eu seguia com uma dificuldade enorme de ir adiante por receio do enfrentamento com minha mãe. E isso me afligia cada dia mais, pois minha decisão não mudaria. Não queria confrontá-la, no entanto queria poder viver minha fé às claras. Aqui eu possivelmente temi mais que o necessário, pois minha mãe tinha alguma ideia do que eu vinha estudando e debatendo. Então eu pedia a Deus todos os dias que me iluminasse a inteligência com as palavras necessárias para fazer o anúncio a minha mãe em tempo de manter a minha palavra e que ela tivesse o coração tranquilo diante a minha escolha.
 
Em meados de setembro, comecei a ser orientada por um padre amigo dos meus amigos para discutir os sacramentos de iniciação cristã e também a minha relação com a minha mãe. Ele teve um pouquinho de trabalho comigo nesse sentido pois, como ele próprio me disse, é um movimento “antinatural” colocar-se em oposição à mãe, portanto, bastante difícil. Sem dúvida nenhuma, o contato com ele foi fundamental para que, finalmente, em 31/10/2020, eu tomasse coragem e falasse com a minha mãe. Ela recebeu com menos atrito do que eu esperava. Disse que graças a Deus eu estava tomando um rumo espiritual, mas que não queria santinhos em casa e que ela já sabia de tudo. E, como boa colérica, manifestou-se mais irritada pelo meu receio de decepcioná-la que pela notícia em si, além das várias ironias (algumas infames)
 
Tão logo concluí a conversa com minha mãe, chamei minha amiga no whatsapp e formalizei o convite para que ela e seu esposo fossem meus padrinhos. Como resposta, recebi um vídeo muito fofo da minha amiga com seu bebê comemorando a notícia e meu amigo explicando que ele seria o lado “linha dura” do apadrinhamento, o que eu aprecio muito, diga-se. A partir daí marquei uma conversa mais aprofundada com o padre, que me explicou como se dariam as coisas e me deu uma aula incrível sobre o primeiro mandamento. Não demorou até que começássemos a discutir a possível data do batismo e o marcássemos para o dia 19/12. E isso foi para mim uma enorme alegria, visto que ainda dentro do tempo do Advento, o qual é muito significativo para mim, tanto pelo que representa para a Igreja como pela vivência desse tempo que tive há um ano.
 
Passaram-se 539 dias entre o casamento dos meus amigos e o dia em que fui batizada tendo aos dois como meus padrinhos. O batismo foi realizado em uma linda e profundamente emocionante cerimônia no rito extraordinário, de acordo com a qual começamos do lado de fora da igreja, pois eu era formalmente pagã, e fui conduzida pouco a pouco para dentro da igreja pelo padre. Foi um momento de profunda comoção, oração e alegria para mim. O único sobressalto foi quando tive de segurar a vela acesa, pois eu tenho medo de fogo, então foi uma situação desagradável ter de segurá-la.
 
De resto, nem em sonho eu teria imaginado um dia tão perfeito, memorável e repleto da presença de Deus em cada ínfimo detalhe: o céu nublado abrindo-se para o sol iluminar-nos quando se iniciou a cerimônia, toda minha história com meus amigos agora também padrinhos, Nathália e Mateus; a disposição e as palavras do Padre Lucas; e, por fim, a presença inicialmente inusitada da minha amiga, agora madrinha de consagração, Raquel. Que Deus me dê as forças necessárias para sempre honrar as promessas feitas nesse grandioso dia e que Ele sempre guie a todos que foram parte desse pedacinho da minha história.
 
Por último, meu agradecimento especial à minha amiga Raquel, que foi promovida de equipe de apoio/testemunha ocular/fotógrafa oficial do evento à madrinha de consagração quando o padre surpreendeu-nos com a sugestão de aproveitar a ocasião e consagrar-me à Nossa Senhora. Você foi incrível nas fotos e estou muito feliz por, de algum modo, também tê-la como madrinha!

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