Crônica: Futuro

futuro

Eu amo essa mulher…

A constatação repentina pareceu absurda a Luciano. Uma fria noite do fim de novembro, quase três meses depois de se terem conhecido. O que começou como uma contumaz implicância por ela manifestada contra ele, em Luciano evoluiu como um genuíno interesse em compreender a razão para tamanha força irascível que nela reconhecia. Ela não o olhava nos olhos, sequer se dirigia a ele sem ser ríspida na voz ou na expressão. Ainda assim, ele não conseguia desviar seus olhos e pensamentos da beleza intensa, austera e triste.

 

Ela perdeu o noivo pouco antes de se casar, há 15 anos…, Luciano ouviu de muitos. Além disso, contudo, pouco mais sabia sobre ela. Ilana é assim por mero capricho de herdeira ou mantém a postura sempre altiva e pouco amigável para ser temida pelos funcionários? Ou permanece enlutada pelo falecido noivo? perguntava-se todos os dias a cada fala atravessada que o era direcionada. Mesmo sem que Ilana confidenciasse qualquer palavra a ele, pouco tempo foi necessário para que Luciano constatasse que os dois primeiros pontos não se aplicavam. Ilana era gentil com as crianças, especialmente com as da catequese; era amável com o pai e parecia muito mais relaxada e bem-humorada quando sozinha com o irmão mais velho. Com Luciano, por outro lado, mais que a frieza dispensada aos demais funcionários, tratava com acidez e aspereza.

 

No que sou diferente dos demais para que se empenhe tanto em me destratar? Em nenhum momento, Luciano temeu-a. Não apenas não a temeu como a enfrentava com igual audácia: eram igualmente geniosos. Nunca a deixava sem respostas, deleitava-se ao deixá-la ainda mais irritadiça. Apesar da tensão que jamais desvanecia, trabalhavam bem juntos, e ainda que Ilana não admitisse, apreciava tê-lo junto dela na administração de Montes Claros. Ele, por sua vez, sempre se admirava com a inteligência e o tino para negócios que ela demonstrava. Isso o encantava. Profundamente.

 

_ E O Vento Levou? Não sabia que existia em livro… – comentou tomando o livro que encontrou sobre a mesa de trabalho e folheando-o.

 

_ O filme foi baseado nele… Infelizmente, tiveram de cortar muitos elementos importantes da história, como a criadora de cavalos Beatrice Tarleton e os primeiros filhos de Scarlett… Seria fantástico se produzissem uma adaptação em minissérie do livro, mas no atual contexto político americano, duvido que alguém o faria… Então contento-me em imaginar as cenas do livro que o cinema não nos entregou… – murmurou Ilana, sem mover os olhos do documento que estava analisando, sendo tão espontânea e tranquila no modo de falar que Luciano estranhou.

 

_ Você parece gostar muito do livro…

 

_ Eu mentiria se disse que não… É meu favorito.

 

Naquele simples diálogo, pela primeira vez, Luciano notou uma Ilana desarmada diante dele. Em uma quase epifania, pensou Talvez eu precise aproximar-me das coisas que são caras a Ilana para descobrir como me aproximar dela própria. Ele era um homem obstinado. Encomendou uma cópia do livro E O Vento Levou e outra do DVD do filme; buscou o Padre Ignacio para descobrir o que poderia ler para se aprofundar na fé. E quanto mais ele se empenhava nisso, mais longas e amigáveis ficavam as conversas com ela sobre assuntos que não envolviam trabalho. Surpreendentemente, ela passara a parecer mais dócil, menos evasiva, mais bem-humorada e mais interessada. Ainda que não o olhasse nos olhos e gostasse de implicar com Luciano, Ilana já se permitia rir ou mesmo fazer discretas menções ao falecido noivo, situações estas nas quais geralmente logo se fechava no trabalho e seu semblante tornava-se pesaroso.

 

Ao que pôde vislumbrar a fragilidade de Ilana e compreender algo do mundo que a cercava, Luciano finalmente compreendeu porque seu pensamento era dominado por ela. Eu amo essa mulher…, reconheceu para si mesmo, de modo tão tempestivo como a achou imediatamente inquietante ao conhecê-la pouco menos de dois meses antes. Mas como posso amá-la se até agora ela revelou tão pouco de si? Porque ela é o desafio… Porque ela não se revelou facilmente… Porque ela não aceitará prontamente o que tenho sentido por ela…

 

Luciano precisou frear seu ímpeto. Queria imediatamente cativá-la, cortejá-la, mas era evidente que com Ilana não poderia agir assim. Descobriu com a mãe dela que ela se fechara para o mundo ao perder o noivo e a obstinação que ela tinha em mantê-lo vivo em sua memória parecia inarredável.

_ A senhora agora está diante de alguém ainda mais obstinado que a sua filha. Eu e ela ainda teremos um futuro juntos. Dia após dia, por quanto tempo for necessário, vou remover pedaço por pedaço esse luto. Mesmo que ela se esconda… Eu vou demonstrar a ela o quanto isso é inútil! E que ela poderá confiar em mim… Porque o sentimento que ela me provoca, esse ímpeto de querer uma família, nenhuma mulher antes jamais me provocou… Eu vou conquistá-la, Alma. Eu vou protegê-la, compreendê-la, ser aquele que a ajudará a carregar a própria cruz. Eu vou amá-la por todos os dias da minha vida, ainda que ela não venha a me corresponder… Mas estou convicto de que ela irá… No tempo dela… E eu estarei pronto para recebê-la quando esse futuro chegar…

 

_ Eu confio em você, Luciano – revelou Alma, encarando-o com um caloroso sorriso. – Será você quem devolverá as cores a minha filha, quem a encherá de esperança e logo estará junto dela no altar prometendo-se a ela diante de Deus. Eu confio em você, Luciano.

 

A partir daquele dia, Luciano perseverou no silenciar de seus sentimentos por cerca de mais dois meses, quando, pela primeira vez, ela se permitiu olhar no fundo dos olhos dele e ali, irremediavelmente, deparou-se com o amor.

Para mais crônicas envolvendo esses personagens, leia as crônicas publicadas em Fantasmas de Amor.

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