E Se Fosse Ela?

E Se Fosse Ela?

Álcool. Eis a substância que o capacitara a adentrar a igreja para receber o sacramento do matrimônio junto de uma mulher a quem não amava. Em aparência, idêntica ao seu grande amor; em atitude, o demônio. Tudo para honrar o quarto mandamento, tudo por ter atentado contra o sexto mandamento.

Vinte e seis anos. Vinte e seis anos longos anos e aquele dia permanecia indelével em sua memória, amargo, dolorido, revivido dia após dia como se em penitência àquele imperdoável erro. Como pôde confundir a mulher que amava com a irascível sósia que por ele esperava à penumbra? Como pôde ceder aos instintos da carne sem ao menos ter-se assegurado tratar-se de sua amada? Ainda se lembrava com nitidez da risada lasciva que denunciou o fato de que aquela em seus braços não passava de uma estranha.

É o preço por se pecar contra a castidade…, escutou repetidas vezes de suas virtuosas mãe e irmã mais nova. Mas quando receberei minha indulgência? Onde encontro a misericórdia divina? Octavio não conseguia ter paz consigo mesmo, tampouco considerava-se capaz de se aproximar de Deus, por mais que nisso se empenhasse. Confessava-se e não encontrava alívio; discutia com seu diretor espiritual e permanecia prostrado. Resignara-se com o tormento, sentia que era o seu dever. Pelas três filhas que tiveram, mas principalmente pelo compromisso assumido com Deus naquele dia em que recebera o sacramento.

E se fosse ela? Mas se fosse ela… Ah, a outra! Sua primeira e amada namorada… Teresa. Tão doce, tão apaixonada e apaixonante. Seria feliz se fosse ela? Octavio pensava que sim. Já não lhes era possível, entretanto. Também ela havia prometido a Deus que estaria junto de outro até o último dia de vida. Mas se fosse ela, ah, seria tudo tão distinto! Não havia mais tempo, não havia mais espaço. Por quê?, perguntava-se intimamente todos os dias, perguntava a Deus. Errara com ambas por tê-las desposado fora do matrimônio, porém errara muito mais com Teresa, quem, por ele, teria sido a primeira, a única. E quando ela retornou, ele já se havia comprometido em definitivo. Já não cabia o arrependimento, mas apenas a tormenta.

Beatriz era a tormenta. Equivocara-se por uma noite, condenara-se por toda uma vida. Como não se deu conta de que Teresa jamais agiria com tamanha lascívia? Como esteve cego a ponto de não notar as diferenças morais que tão veementemente se apresentavam ainda que fisicamente fossem idênticas àquela época? Ah, se ele soubesse a consequência daquela imprudência? Ele não poderia jamais permitir que alguém como aquele demônio que chamava de esposa criasse sozinha uma criança que também a ele devia a vida. Não poderia permitir que ela cumprisse a chantagem e abortasse a criança. Não poderia permitir que ela cumprisse a outra parte da chantagem e arrastasse na lama o nome da família dele.

_ Eu e Deus temos certeza da sua inocência, meu filho! – gritou Alma, quando seu filho, consternado, revelou-lhe a vileza daquela que logo teria de chamar de nora – Isso basta! Você não vai se casar com uma víbora…

_ Eu já não me importo comigo! Mas ela não pode matar a criança…

Alma sentiu-se apunhalada pela mera insinuação de um aborto acontecendo em sua família e um sepulcral silêncio preencheu o cômodo em que o filho se confessava à mãe. Estava consumado, já nada poderia ser feito além de consentir com o indesejado matrimônio. Ah, como ainda lhe era vívido aquele dia. Como lhe doía imaginar que Isadora poderia ter sido friamente eliminada por aquela que mais deveria amá-la. Como o perturbava, anos mais tarde, saber que Beatriz realmente teria tido coragem de cumprir a ameaça de aborto com a mesma naturalidade com que se fechou à vida submetendo-se secretamente a uma laqueadura. Moral? Pecado? Por que fala dessas coisas comigo se sabe muito bem que nada disso significa coisa nenhuma para mim?, ocasionalmente questionava ao marido, geralmente sorrindo.

Mas se fosse ela, Teresa, ah, ele seria feliz. Ele acredita que teria sido feliz. Contudo, ali estava ele, ainda a pagar o caríssimo preço por ter-se entregue aos deleites da carne. Vinte e cinco anos e seguia pagando. E seria como Deus quisesse que fosse. E ele queimaria. Muito pelas filhas que tivera, mas também em nome da possível salvação da própria alma. Consumir-se-ia naquela união penitencial até que Deus os separasse, possivelmente, por meio da morte.

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