*playlist da crônica ao fim do texto
Haveria mais verdadeiro ditado que aquele que enuncia que ninguém sabe o que tem até que o perde? Isadora não se considerava capaz de amar, não se considerava capaz de sentir. Isadora, porém, descobriu Bernardo. E Bernardo a descobriu; amaram-se.
Um namoro sólido, desde o primeiro dia aprovado pela família de ambos. Faziam planos; curto prazo, longo prazo, por toda uma vida. Sabiam ser perfeitos um para o outro, sabiam que em não tão distante futuro lhes esperava um matrimônio de mais alegrias que tristeza. Ela publicitária e designer de joias; ele terminava seus estudos de medicina, um futuro neurocirurgião. Ambos demasiado ocupados, contudo ambos bastante adaptados à rotina do outro. Tinham gostos semelhantes, em especial o amor pela cidade e a nula afinidade com o campo.
Mas a família dela tinha tradição no campo, tanto pelo lado materno como pelo paterno. Seus avôs eram os senhores de Santa María, seu pai e a irmã dele eram devotados àquelas terras. O amor pela terra parecia correr nas veias daquela família, Isadora, porém, era como a mãe; detestava o interior, odiava o silêncio do campo, o cheiro de terra molhada a enjoava, animais nunca gozaram de sua afeição. Sabia, no entanto, pela tragédia de sua tia, que a morte costumava mudar as pessoas. E a morte de seu avô materno de fato mudou muito do que Isadora conhecia como fato.
Viu-se obrigada a passar mais tempo com a família na fazenda, viu-se obrigada a passar mais finais de semana de tédio e saudades longe do namorado. Deparou-se também com o passado, com a infância havia muito vivida junto das irmãs nas terras do avôs. Naquelas terras reencontrou a amizade, seu melhor amigo de infância em homem transformado. Ao primeiro encontro, um choque. Ele amava a terra, ela resmungava cada vez que seus altos saltos finos afundavam no gramado que rodeava a casa grande; ele a considerara metida, ela só queria de volta a atenção de seu bom amigo de infância. E para reconquistar a confiança e afeição dele, estava disposta, enquanto na casa dos avós, a deixar de lado muito do citadina que era; estava disposta a com ele percorrer os campos quase intermináveis na companhia dele, com tal de ter alguém com quem conversar. Procurou a tia, secretamente pediu-lhe ajuda; venceu o medo, aprendeu a montar, surpreendeu o velho amigo e conquistou sua admiração. Pouco a pouco parecia restabelecer-se aquele vínculo perdido e preenchia-se cada minuto que antes seria de puro ócio com a companhia dele, com os passeios pelos campos.
A distância em relação a Bernardo, porém, aumentava a largos passos. Ora eram os plantões dele como residente, ora eram os finais de semana que ela se sentia obrigada a compartilhar com a própria família na fazenda. Um único final de semana plenamente livre na atribulada rotina de Bernardo e ele se esforçou em ir até ela no interior. Foi o suficiente para ele sentir abalada a confiança que nela tinha, foi-lhe demasiado amargo vê-la chegar dos campos entre sinceros risos com aquele que para ele era um completo estranho. Bernardo não soube lidar com aquela amizade. Afastou-se.
O que eu fiz de tão errado? Por que Bernardo reagiu tão duramente? Mas no amor não basta simplesmente amar… Todas as ligações dele em finais de semana que ela não atendeu, todas as mensagens que ela leu mas não respondeu. Não havia dado a devida importância às pequenas coisas, não havia dado a devida atenção a quem mais amava; não havia dado o devido valor a quem verdadeiramente amava. Era sua culpa, Isadora sabia, mas jamais poderia imaginar Bernardo sentindo ciúmes de um amigo de infância dela.
Sentia não ter lágrimas suficientes para superar o fim; sabia não ter lágrimas suficientes para aceitar aquele erro que tão forte doía. Amava Bernardo como jamais havia amado a qualquer de seus fugazes amores de adolescência, mas as circunstância evidenciavam que ela não soube demonstrar. Estava confusa. Pensava apenas em Bernardo e em como ter outra vez a confiança dele. Estava completamente perdida e a cada dia aumentava e doía mais a saudade. Ele fazia falta, muita falta. E outra vez, ela se sentia completamente vazia e ostracizada pelo silêncio e imensidão da fazenda. Talvez aquele fosse um castigo por ter-se dedicado mais a um amigo que a seu verdadeiro amor. Era como se para Isadora o céu houvesse caído, como se o mundo houvesse desabado. Não sabia como, mas iria outra vez ter a confiança, o carinho e o amor de Bernardo.
Thaís Gualberto
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Economista & Escritora. Apaixonada por ficção, música, política e coisas fofas. Aqui vocês terão resenhas e, principalmente, textos ficcionais escritos por esta que vos “fala”.
Não sei o que sentir…
Por alguns instantes, imaginei que o final pudesse colocar o amigo como o novo amor. Seria um clichê interessante, daqueles que ensinam que o amor surpreende. Gostei mais por ter sido diferente. Por mostrar que o amor requer dedicação, sempre.
Que legal que gostou da surpresa! Eu, particularmente, prefiro os finais que surpreendem sem perder a coerência, como penso que é o caso.
Sem dúvida, surpresas são muito mais legais 🙂