Romance de estreia do professor de Literatura Inglesa e Escrita Criativa Andrew Michael Hurley, “Loney” teve inicialmente disponibilizados apenas 300 exemplares, mas logo extrapolou o mercado independente. Não só “Loney” recebeu diversas críticas elogiosas em mídias de destaque, como rendeu ao seu autor o prêmio de melhor escritor estreante na edição de 2015 do Costa Book Awards. Surpreendente, não?
Logo no início da trama, o prenúncio de um crime a ser desvendado: a descoberta dos restos mortais de uma criança numa sombria área costeira da Inglaterra, conhecida como Loney. Eis o acontecimento que abala as emoções de Smith, quem torna a lembrar do que lá presenciara quarenta anos antes, quando ainda era criança, em uma peregrinação de Páscoa junto com seus pais, irmão, o jovem Padre Bernard e outros paroquianos da São Judas Tadeu. Todos hospedados em Moorings, uma casa antiga, tomada por segredos de seus antigos donos e digna de filmes de terror, com a mãe de Smith obstinada em acreditar que ali alcançariam a cura para Andrew, seu filho mais velho, mudo e com problemas de aprendizagem.
O cenário, com sua inquestionável onipresença ao longo da obra, evidentemente é o verdadeiro protagonista. E diante ele, alguns poucos personagens, todos guardiões de seus próprios segredos e apreensões, misteriosos a seu próprio modo e, de certa forma, sempre relacionados à própria natureza instável e traiçoeira do lugar. E, como dito em resenha no The Observer, “Um romance sobre o que não foi dito, o que é implícito, o que é tão somente murmurado e ininteligível, repleto de lacunas sombrias e espaços indistintos que sua imaginação se sente impelida a preencher”.
Não foram os números, tampouco o êxito do romance que me atraiu para ele, mas sim a intrigante sinopse repleta de mistérios combinada à belíssima edição brasileira em capa dura dura lançada pela editora Intrínseca. A luva que recobre a capa dura também é fundamental para preparar as expectativas do leitor quanto à paisagem predominante no enredo: um lugar sombrio, isolado em meios às brumas, e de natureza completamente imprevisível. E como tudo isso me enganou…
Apesar do texto fluido e muito bem escrito quanto às descrições dos espaços físicos e dos gestos dos personagens, algo que aprecio bastante em uma história, o desenrolar da trama decepcionou-me bastante. E isso, provavelmente, deve-se muito ao fato de “Loney” ser uma obra sobre “o que não é dito”. Para explicar isso, contudo, precisarei dar alguns spoilers nos próximos dois parágrafos.
A narrativa é toda feita sob a ótica de um Smith 40 anos mais velho que o adolescente que era ao presenciar os eventos daquela Semana Santa e dias subsequentes, sendo o fanatismo religioso de sua mãe um dos aspectos que mais se destaca para o leitor, gerando expectativa de que algo do desfecho terá relação direta com isso. Não tem. Os vívidos relatos de Smith sobre os castigos que o finado padre Winfred impunha a Henry McCoullough, o outro coroinha da paróquia de São Judas, levam-nos a crer que isso terá fundamental importância para a trama, mas não tem. O que acontece a Else, a menina grávida mantida isolada em um chalé em Coldbarrow que tanto fascinou a Hanny (Andrew), tampouco é dito. Uma garrafa quebrada que deixou Clement em pânico, um coração de porco e um misterioso quarto destrancado pelo pai de Smith – todos mistérios apresentados com pompa para no final não terem qualquer utilidade prática para a história além de fomentar um clima sombrio que acaba não tendo razão de ser.
A própria morte do padre Winfred, que ganhou ares de mistério na segunda metade da trama teve apenas uma explicação implícita baseada no diário encontrado por Smith pouco depois do funeral do sacerdote. Não sabemos sequer o quê exatamente ocorre a Hanny no porão do chalé, quando lá fica junto dos soturnos Collier e Parkinson, embora haja indícios de que foi um ato de magia negra. O modo como a trama progride faz-nos crer que na próxima página teremos algum evento sobrenatural e/ou arrebatador, a resolução de algum dos mistérios apresentados, mas isso nunca acontece, frustrando as expectativas (ao menos as minhas).
Talvez a maior revelação que o livro nos entrega é do quão perturbado Smith é em termos psiquiátricos, provavelmente em decorrência dos eventos presenciados no porão do chalé e ao fanatismo religioso de sua mãe. É quase como se todo o aparvalhamento e isolamento característicos de Hanny tivessem passados para Smith depois daquele fatídico dia, principalmente depois que Hanny deixou de depender dele para tudo. Também nos é transmitida a impressão de que, enquanto todos os demais tiveram a fé reforçada após todos os eventos de 40 anos, o contrário aconteceu com Smith, que parece ter-se tornado um adulto absolutamente descrente.
Outro aspecto bastante interessante da trama é como ela retrata as diferentes relações que uma pessoa pode ter com a fé. Enquanto o padre Winfred é descrito como um sacerdote que prima por enfatizar culpas, pecados e castigos, o padre Bernard busca compreender e confortar os fiéis sempre que estes admitem ou são flagrados em erro. Mais uma vez, destaca-se nesse sentido o fanatismo demonstrado pela Sra. Smith, disposta a grandes privações e castigos em busca do milagre da cura de seu filho, e como seu marido começa a se distanciar dela por isso.
Por fim, embora o livro aborde uma temática que me atrai e tenha conseguido manter-me focada à leitura, não me agradou como não é dada resposta explícita para nenhuma das grandes oportunidades apresentadas ao longo da trama. 7/10.
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Economista & Escritora. Apaixonada por ficção, música, política e coisas fofas. Aqui vocês terão resenhas e, principalmente, textos ficcionais escritos por esta que vos “fala”.