Primavera (Sakura Nagashi)

Sakura Nagashi
Todas as estações chegam ao fim… Todas as estações chegam ao fim… Todas… Das palavras trocadas com o padre Inácio, aquelas eram as que incessantemente colidiam nos pensamentos de Ilana. Por que não chove?, perguntava-se olhando para o céu cinzento e nublado como quem dele pudesse cobrar algo. Todas as estações chegam ao fim… Não lhe parece que esse inverno durou demais? As palavras do padre Inácio permaneciam vívidas enquanto lentamente cavalgava rumo a sua casa. Mas onde estão as primeiras flores? Por que não consigo enxergá-las? Por que não consigo senti-las?, perguntava-se. Onde estão todas as cores que acompanham cada primavera? Onde está a vida, Senhor?
 
Fechou os olhos, respirou fundo. Como se em câmera lenta, viu reprisar-se em sua mente aquele fim de tarde na semana anterior. O vívido brilho dos olhos de Luciano. A palma da mão calorosa e gentil de Luciano a lhe acariciar o rosto. O abraço apertado e demorado enquanto permitia-se consumir pelo pranto. O cabelo solto tocando-lhe o rosto. A respiração de Luciano. O acelerar do próprio coração. O reconhecimento. A fuga. Nunca lhe pedi que me devolvesse ao amor, Senhor… Foi por esse momento que, nas tantas vezes que Lhe questionei, apontou-me sempre o matrimônio como vocação? Seu rosto estava úmido e, não bastasse o pranto, sentia-se queimar.
 
Uma vez mais, respirou fundo. Que difícil era-lhe reconhecer os próprios sentimentos! Estarei eu me rebelando contra a vontade de Deus por não aceitar o que já sei estar sentindo? Seria isso uma enorme soberba da minha parte, Senhor? Por que me dói tanto reconhecer, por que me dói tanto permitir-me viver esse sentimento? Ilana percebia-se com os dentes cerrados e a musculatura tensa; sabia que, decerto, tinha um semblante irado. Provavelmente, raiva de si mesma, por não saber como agir, por temer a entrega e a decepção.
 
Para si própria, insistia na tese de que não podia viver outro amor porque a imagem e a vida de Julián ainda lhe eram demasiado vívidos. Racionalmente, contudo, era capaz de sutilmente começar a perceber as dores da perda e da saudade sendo suplantadas pelas dores do ceder e do ver-se derrotada pelo próprio orgulho. Inconscientemente, contudo, era o ter de abrir mão da imagem que conquistara para si ao longo de mais de quinze anos o que verdadeiramente motivava a ira refletida em seus trejeitos e expressão. E não tardaria para que se visse encurralada pela própria racionalidade, da qual sempre se gabara tanto, pois a destruía tanto o silenciar como o demorar a tomar decisões.
 
Enquanto não reconhecesse a raiz de sua orgulhosa ira, não lhe cessaria a tormenta. A vontade de Deus, entretanto, seria cumprida de qualquer maneira: irrefreavelmente, o inverno daria lugar à primavera.
 
*Texto idealizado após ouvir a música “Sakura Nagashi“, de Hikaru Utada.

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