Centelha: Amostra 1 (capítulo 7)

_ Bom dia, Marcela!

O radiante cumprimento da altiva loira à porta deixou Marcela um tanto quanto aparvalhada. Cristina era uma presença frequente na residência dos Arriaga, contudo era uma veemente surpresa naquela manhã de domingo, quando todos imaginavam que ela ainda estivesse na Ásia. Sem cerimônias, adentrou a casa antes mesmo que Marcela pudesse anunciar sua presença.

_ Onde estão as pessoas dessa casa, Marcela? – indagou, com espontânea vivacidade, caminhando pelo salão e colocando parte do cabelo para frente. – Não me diga que todos saíram?

_ Não, senhora… Só as meninas…

_ Então Mercedes não está…

_ Não, senhora… Foi cedo para o clube com as meninas Patricia e Mariana…

_ Eu deveria ter imaginado… – murmurou Cristina, algo desanimada. – Bem, onde está Eduardo?

_ Ora essa… A ilustre Cristina-Marie Brasseur de Herrera retornou antecipadamente ao terceiro mundo! – anunciou Amalia, em tom extremamente ácido, descendo lentamente as escadas, alisando levemente a saia cinza clara.

_ E o terceiro mundo fica muito mais desenvolvido quando aqui estou, enriquecendo-o cultural, intelectual e esteticamente… – rebateu Cristina, rindo vaidosamente. – Por favor, Amalia! Suas piadas são péssimas, falta-lhe graça e senso de humor… Vim falar com Eduardo… – disse, retornando à seriedade.

_ Evidente… – riu Amalia, algo maledicente, os olhos monotonamente pousados sobre Cristina. – Mas receio que não poderá falar com ele… Deu ordens explícitas para não ser interrompido no escritório antes do almoço… – avisou, com prazer.

Cristina gargalhou.

_ Amalia, Amalia… Quase vinte anos de convivência ainda não a ensinaram que sou uma exceção? Eduardo nunca se nega a me receber… – observou, bastante firme.

_ Que boa surpresa tê-la aqui, Cristina! – exclamou Alice, alegremente, vindo, provavelmente, da cozinha e abraçando a comadre. – Quando chegou?

_ Ontem à noite, quase meia-noite… Estou cansadíssima, mas retomar a rotina é preciso…

_ Certamente… As meninas não estão, mas Eduardo certamente ficará feliz em vê-la! Ele havia comentado que você iria antecipar o retorno, mas não tanto assim… Vou chama-lo!

_ Obrigada, Alice! – agradeceu Cristina, amavelmente.

Alice seguiu rumo ao corredor que levava ao escritório e Amalia, inutilmente, lançou-lhe um repreensivo olhar. Discretamente, Cristina ria. Pouco mais de um minuto e Alice estava de volta, acompanhada por um aliviado e empolgado Eduardo.

_ Cristina! – gritou Eduardo, indo até a sócia e amiga e cumprimentando-a com um forte abraço. – Por que não me acompanha até o escritório para conversarmos? Acho que chegou em boa hora…

Com um abraço em cada, despediu-se de Alice e Amalia, acompanhando o compadre em seguida. No escritório, acomodou-se em um dos sofás, ao que Eduardo serviu uma taça de vinho para cada.

_ Ótimo que tenha antecipado ainda mais a sua volta… – comentou Eduardo, sentando-se próximo de Cristina e entregando-lhe uma taça. – Pretende ir à empresa amanhã?

_ Mas é claro! Fala como se não me conhecesse… – respondeu, entre risos. – Aliás, não costumo tomar vinho fora das refeições, mas aceito em nome de nossa amizade e porque, pela sua expressão, parece que as coisas não vão muito bem…

Um profundo suspiro, um longo gole, um profundo suspiro.

_ Você me conhece bem… Estou com graves problemas, Cristina… – confessou.

_ Bem… Na medida do possível, sabe que pode contar comigo… – lembrou, olhando-o com enorme compaixão.

_ Você não compreenderia, Cristina… Há tanta coisa sobre mim que você não sabe… – falou Eduardo, entre a resignação e o desespero. – Prometo que um dia, e muito em breve provavelmente, você ficará sabendo… Já não suporto guardar isso e você é a pessoa de fora da situação em que sei poder confiar com mais segurança…

Cristina girou a taça e aspirou o aroma do vinho. Com uma expressão um tanto quanto confusa, tomou um gole. Era-lhe evidente a tensão que permeava o pensamento de Eduardo.

_ Pessoa de fora? Do que está falando, Eduardo?

_ Estou noivo… Estou noivo de uma mulher que me ama, mas o passado…

Um silêncio perturbador tomou conta do escritório.

_ Então finalmente deu o grande passo com María Luisa… Eu não diria que isso foi uma sábia decisão… Para a maioria dos casais seria o natural, mas você é apegado demais ao passado, à memória de Virginia… Ah, Eduardo… Lamento dizer, mas creio que errou…

_ Quem me dera isso fosse tudo, Cristina… Eu não errei agora, eu errei antes… Eu errei há vinte anos… E errei de uma maneira imperdoável…

_ Você está realmente estranho… – comentou, bastante preocupada.

_ Se você soubesse…

Eduardo deixou um suspiro escapar. Ruidoso, pesaroso. O silêncio outra vez interpôs-se. Cristina olhou para o relógio.

_ Gostaria de continuar a conversa, mas vou receber uma amiga essa tarde… Preciso ir e preparar o almoço…

_ María Elena está na cidade? – indagou, indo da apatia ao estado alerta instantaneamente.

_ María Elena não está na cidade? – perguntou surpresa. – Não creio! Que chato… Bem, eu tenho de ir… – repetiu, outra vez séria. – Não hesite em me procurar quando achar que é o momento… Tchau…

Com um forte abraço, despediram-se. E o que Cristina notara na fala e na expressão, também transpareceu no breve contato físico. Eduardo estava verdadeiramente angustiado. E isso entristecia Cristina, sentia-se impotente diante a dor do amigo.

Trecho do capítulo 7 de “Centelha”. Por Thaís Gualberto.

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