Vida

Vida

Gerar a vida. Por anos rezara a Deus que lhe aplacara a frustração de saber que já não receberia essa graça. Não teve êxito, mas isso não lhe abalou a fé. Por fim, apenas anos mais tarde, conseguiu compreender os desígnios de Deus em lhe conservar tão intenso desejo.

Tinha 39 anos quando Deus presenteou-a com o amor outra vez. Não esperava por aquilo, nem mesmo pedira por aquilo, mas ainda assim foi agraciada. Era o primeiro sábado do verão, dia de São Pedro e São Paulo, quando recebeu, com toda comoção e esperança que lhe eram possíveis, o sacramento do matrimônio.

Aceitar todos os filhos que resultassem da plenitude da união matrimonial. Embora toda a cerimônia tenha sido uma experiência de pleno estado de graça, nenhum trecho a comovera mais que aquele. Serei ainda capaz, Deus? Dali em diante, o foco de suas preces e também de sua ansiedade havia mudado.

Confio em ti, Senhor, e se for de Sua vontade, não será a minha idade um empecilho. Mas peço-lhe que me conceda a benção de levar comigo a vida, o fruto do nosso amor… Não há nada nessa vida por que eu tenha ansiado tanto como pelo milagre de gerar e gestar a vida, senti-la crescer em mim e orientá-la pela sua vida. Permita que a probabilidade, que a estática, seja vencida pelo amor e seja feita a concepção. Confie-me ao menos uma alma e eu e meu amor iremos conduzi-la pelo caminho da fé e da retidão.

Dois meses e meio de casados, poucos dias antes de seu quadragésimo aniversário, o resultado que a deixou outra vez em pleno estado de graça. Deus a havia uma vez mais recompensado. Que presente maior poderia receber que o milagre de carregar consigo a vida? Não era capaz de conter a emoção. Nunca, nem mesmo em seus mais felizes sonhos, teria imaginado ter suas preces tão rapidamente atendidas.

Nunca se sentira tão plena, nunca se sentira tão serena como naqueles nove meses em sentiu a vida crescer dentro de si. Os enjoos matinais eram desagradáveis, mas ainda assim não a incomodavam. O que era isso diante toda a alegria que sentia e ainda sentiria? Ouvir o acelarado bater do coração daquela vida, as mudanças em seu corpo, os primeiros movimentos, os olhares ainda mais apaixonados e todo o carinho e amor que recebia do marido, igualmente encantado com o milagre ocorrendo diante seus olhos.

Nove meses… Demorados e, ao mesmo tempo, tão rápidos. Os primeiros sinais de que chegara a hora anunciaram-se sutilmente, um dia antes, ainda na comemoração das bodas de ouro de seus pais. Não esperava que ela chegaria tão cedo, ainda em meados de maio, visto que era para o começo de junho. Planejara ir para a cidade na semana seguinte para aguardar pelo parto, mas não foi possível sequer dirigir-se à cidade vizinha.

Nunca imaginara que daria a luz em casa e com o parto conduzido por uma pediatra, mas assim quis Deus que se sucedessem os eventos. Pelas várias horas de intenso esforço, pôde contar, quase que ininterruptamente com a presença de seu marido. A lhe afagar o cabelo e afastar do rosto os longos fios dourados, a lhe segurar as mãos, a lhe beijar a testa; a lhe apoiar e servir como porto seguro a cada contração violenta. Também presente para incondicionalmente apoiá-la, lá estava sua mãe.

Na capela da fazenda, seu pai, seu irmão, suas sobrinhas, sua melhor amiga e alguns empregados clamavam a Deus e a Maria que o parto fosse tranquilo e que a bebê nascesse com muita saúde. Ali permaneceriam por algumas horas entre a madrugada e a manhã daquele domingo de primavera.

Um último e intenso esforço e o choro que anuncia a chegada de mais uma vida fez-se plenamente audível. Nascia uma mãe. E em estado de graça admirava o milagre que junto de seu grande amor concebera. A maior benção que Deus poderia tê-la concedido.

_ Sua filhinha… – anunciou Florencia, bastante comovida, entregando a recém-nascida nos braços da amiga e agora inusitada paciente.

Instintivamente, levou a bebê ao peito. Quanto emoção, quanta alegria. Apesar do extenuante esforço que culminara naquele momento, não era capaz de perceber o cansaço que se abatia sobre seu corpo, muito pelo contrário. Sentia-se plena como só uma graça tão grandiosa poderia proporcionar. Ali estava a vida por que tanto ansiara; ali estava a vida que Deus confiara a ela e a seu marido, o fruto máximo daquele amor. Ali estava enfim em seus braços. Ali estava, enfim consumado, o milagre da vida.

Helena. A primeira das três Marias que, em um espaço de 7 anos, Deus lhe confiaria gerar pelo que lhe restava de vida reprodutiva.

“O terceiro fruto do casamento é a geração e a legítima criação e educação dos filhos. Grande honra é esta para vós, ó casados, que Deus, querendo multiplicar as almas que possam bendizê-Lo e louvá-Lo por toda a eternidade, vos torna cooperadores de obra tão digna, por meio da produção dos corpos, em que Ele reparte, como gotas celestes, as almas, criando-as e infundindo-as nos corpos” – São Francisco de Salles.

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