Ciclo da Vida

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Havia perdido a conta do quanto rezara ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo, à Virgem Maria e a São José para que colocassem diante sua filha um virtuoso homem que lhe vencesse o orgulho e a tirasse da reclusão. Intenções, jejuns, rosários, novenas. Enquanto sua filha apenas rogava a Deus que lhe acalmasse o anseio pela maternidade biológica que já não acreditava poder exercer desde a prematura morte de seu então noivo, Alma clamava justamente o contrário: que Ele concedesse a sua filha um novo amor capaz de ajuda-la a viver sua vocação à plenitude.

Tão logo pôs os olhos em Luciano e não encontrando aliança nenhuma e logo confirmando seu estado civil, Alma teve certeza de que Deus a atendera. Mesmo com os atritos iniciais entre sua obstinada filha e Luciano, Alma não tardou em descobrir o olhar de admiração que ele tinha ao falar sobre ela ou o quanto ele parecia motivado a compreendê-la e desvendar-lhe virtudes que poucos conheciam ou apenas intuíam. Não a surpreendeu, portanto, quando, pouco antes do Natal, ele lhe revelou amar Ilana.

Eu amo a sua filha… Amo-a e farei tudo o que estiver ao meu alcance para que um dia ela saiba o quanto a amo, o quanto a admiro e o quanto gostaria de tê-la para sempre comigo. E ele dissera aquilo com tanta convicção, com tanta resolução, que Alma, comovida, apenas exclamou:

_ Bendito seja Deus pela sua vida e pela virtude que Ele lhe infundiu, meu filho!

Àquela altura, Ilana, antes completamente fechada a manter qualquer relacionamento não profissional com homens de fora de sua própria família ou religiosos, e embora ainda não o olhasse nos olhos, já tinha a Luciano como um bom amigo. E ele, em seu ímpeto por conhecer àquela mulher, trabalhava tanto em conhecê-la como na própria e constante conversão de católico nominal a católico de fato. E ele o fazia com tanto empenho, com tanta determinação…

Ilana permanecia como a reclusa devotada à Igreja que com mãos de ferro administrava as terras da família, mas já não eram raros seus sorrisos. Seus límpidos olhos azuis brilhavam mais vivazes, parecia mais serena e compassiva aos que com ela conviviam. Até mesmo a maneira como trançava seu cabelo variava mais que outrora, embora seguisse sempre em trança.

Como maravilhava a Alma testemunhar aquelas mudanças tão pequenas mas que tão intensamente indicavam estar mais próximo o dia em que Ilana definitivamente superaria o luto pela morte de seu noivo quinze anos antes. Como alegrava a Alma testemunhar que, pouco a pouco, sua filha voltava a ser mulher que sempre fora. Obrigada por isso, meu Deus!, agradecia, sempre de joelhos, sempre clamando por que Deus continuasse sua obra nos corações de Ilana e Luciano até que ela fosse capaz de se abrir novamente ao amor.

Então aconteceu. Ele se declarou. E Ilana, maravilhada, descobriu sentir o mesmo tão logo permitiu-se olhar no fundo daqueles expressivos olhos castanhos. Alguns dias ainda seriam necessários para que o gelo derretesse por completo, mas o longo inverno da vida de sua filha enfim acabara, dando lugar a uma rica e vivaz primavera que culminou no sacramento matrimonial logo no início do verão.

Pouco menos de três meses foram necessários para que anunciassem que a família logo aumentaria. Três meses mais e souberam que era a Helena que estava a caminho.

Foram as trinta e oito semanas mais doces que vivera em muito tempo. Tanto se aproximou da filha, tanto a ensinou e tanto com ela aprendeu! E quando as dores do parto tiveram início um dia antes de suas bodas de ouro, regozijou em agradecimento a Deus pelo presente tão glorioso que receberia.

A última vez em que testemunhara um evento como aquele, era ela a protagonista, trazendo ao mundo a própria filha que agora via dar continuidade ao ciclo da vida. Que alegria, que emoção pura, genuína e inexplicável! Como lhe era recompensador testemunhar que ela própria gerara uma mulher de tamanha fortaleza e fé. Ah, meu Deus, como é maravilhoso conosco, como é perfeito em tudo o que faz! Ah, meu Deus, que enorme graça viver para aqui estar agora e é poder amparar minha própria filha, sangue do meu sangue, dar todas as suas forças para converter a si própria em mãe…

Como lhe transbordou o coração poder ter a mais nova neta em seus braços pela primeira vez poucos minutos após nascida. Como lhe regozijava reconhecer, naquele bebê tão pequeno, traços comuns a ela e à filha. Que enorme benção, Senhor! Que imensurável graça, Senhor!


(Duas outras óticas do evento foram publicadas neste site: “Vida” e “De braços abertos”. Aguardem pela quarta e última ótica em breve que, pessoalmente, é aquela com que mais me identifico.)

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