Dois

Ali estavam os dois. Nada acontecera como ela havia imaginado. Estava paralisada. Como em uma questão de semanas havia tudo tomado um rumo tão inesperado. Exatamente como vinte e cinco antes. Sem a decepção, talvez, porém certamente com o mesmo estarrecimento e com o mesmo silêncio perturbador a preencher o espaço entre os dois.

Aquele arrepio, aquele suspiro amargo. Via-se outra vez aos dezoito anos; sem palavras, sem ação, apenas partindo para nunca mais voltar. Ali estava ela outra vez e novamente diante ele. Passadas duas décadas e meia, a opção de fugir simplesmente inexistia.

– Teresa…

Era com formalidade que ele murmurava o nome dela, tão pasmo quanto a própria, mas ainda assim sem se fazer ouvir. Ela estava perdida nos próprios pensamentos. A própria gravidez, à volta a Santa Maria, a gravidez da irmã, o casamento dele, a partida definitiva. Eram tantas as imagens e as sensações alternando-se e imiscuindo-se freneticamente em suas lembranças que levou a mão ao rosto, coçou os olhos e tornou a olhar para frente. Ele era real. Mas ela permanecia paralisada. Notava-o aproximar-se, mas seguia incapaz de reagir. Até que ele pousou a mão direita sobre o ombro esquerdo dela.

– Octavio… – ela murmurou, vendo-se perfeitamente refletida nas pupilas dela. – Não imaginava que…

– Eu muito menos… – ele rebateu, cortando-a, porém com a voz suave. – Não deveria ter passado tanto tempo distante…

– Não vamos falar sobre isso… Eu vim… Eu vim… Visitar meu pai… – explicou, firme, contudo, titubeante.

– Entendo… Não estarei aqui pelas próximas horas… Sinta-se em casa…

– Estou bem mais em casa aqui do que você…

– Precisamente…

Sem nenhuma palavra específica de despedida, Octavio deu-lhe as costas e caminhou para a porta principal do salão, por onde saiu.

O ruído da porta sendo batida fez Teresa estremecer. Tudo poderia ter sido tão diferente, Octavio… Suspirou; inspirou profundamente. E o pesar a golpeou. Juntamente com o passado…

– Não precisa voltar a me procurar, nunca mais… Acabou… – murmurou, distante, pesarosa, dilacerada, serena e firme.

– Teresa…

– Não, não diga mais nada… Não é preciso… Não sei se um dia serei capaz de perdoá-los, mas espero que sejam felizes e que minha dor não seja em vão… E que você não se arrependa… Adeus.

– Teresa, por favor… – pediu, com desespero, com aflição, com os olhos avermelhados e as pálpebras trêmulas.

Mas ela já não disse nada. Subiu no carro, bateu a porta. Travou o cinto, deu a partida. E foi.

Tudo ali, tão nítido como se houvesse vivido tudo novamente naqueles poucos segundos em que esteve diante Octavio após tantos anos. Todos os eventos que pensara ter superado outra vez a arrebatavam e inevitavelmente, perguntava-se muitas coisas. Teria no passado agido bem ao fugir? Teria no presente agido bem ao voltar? Não tinha respostas e, se as tivesse, não seriam simplórias.

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